Há uma preocupação das famílias com relação às pessoas com deficiência e a administração dos seus bens, no sentido de evitar que o interesse destas pessoas seja prejudicado, principalmente no aspecto patrimonial, uma vez que em alguns dos casos acredita-se que elas não teriam capacidade de discernimento e autonomia para gerir por si só.
Desde o código civil de 2002 a regra estabelecida é que toda pessoa é considerada capaz para atos da vida civil a partir de 18 anos de idade, quando atinge a maioridade. Entretanto há circunstâncias, como deficiências ou enfermidades, que podem produzir incapacidade plena de gerir a vida pessoal ou os bens e até mesmo, ambos.
Como se sabe, a interdição de direitos sempre foi uma difícil decisão para as pessoas com deficiência, especialmente àquelas com deficiência intelectual e seus familiares. Somente quando necessário é que a pessoa com deficiência deverá, no exercício da capacidade legal (civil), contar com o apoio de pessoas escolhidas pelo próprio interessado para o exercício de determinados atos. Nesse caso, todos os apoios e salvaguardas apropriadas e efetivas deverão ser disponibilizadas, para a proteção do direito, da vontade e da preferência da pessoa com deficiência, objetivando alcançar a plena autonomia.
A Lei n° 13.146/2015, também chamada de Lei Brasileira de Inclusão (LBI), alterou substancialmente o Código Civil quanto à capacidade civil das pessoas com deficiência, que, até então, eram ali previstas nos artigos 3º e 4º como absoluta ou relativamente incapazes. O novo modelo assegura à pessoa com deficiência, como regra, o direito ao exercício de sua capacidade civil em igualdade de condições com as demais pessoas, podendo ser adotada a tomada de decisão apoiada e até mesmo a curatela, quando necessárias, esta última como medida de proteção de caráter extraordinário, sempre proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada pessoa e pelo menor tempo possível.
Curatela é o nome que se dá ao processo judicial no qual um juiz, assistido por uma equipe multiprofissional, analisa as necessidades de uma pessoa adulta (com 18 anos ou mais) para o exercício de sua capacidade civil e decide se ela pode ou não praticar atos relacionados ao seu patrimônio e negócios, ou se precisará de apoio para isso, podendo ser pleiteada por pais, tutores, cônjuge ou qualquer parente, pelo Ministério Público (para aquelas com deficiência intelectual) ou pelo próprio interessado.
A Lei Brasileira de Inclusão – Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.
- 1º Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei.
- 2º É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.
- 3º A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.
- 4º Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano.
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Para determinar a curatela é necessário um procedimento judicial denominado “Ação de Interdição”. A ação é proposta por aquele que pretende assumir a curatela contra a pessoa incapaz. Há a possibilidade da pessoa que será interditada se defender, manifestar seus interesses perante o juiz em uma audiência, e de ser avaliado em uma perícia multidisciplinar.
Quando o juiz conclui da necessidade real da curatela, ele julga a Ação de Interdição, nomeia um curador e estabelece os limites dessa curatela. A curatela pode ser total ou apenas para alguns atos específicos.
Lei Brasileira de Inclusão – LBI “Art. 85 A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial” .
- 1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.
- 2º A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado.
- 3º No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear curador, o juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado.
A LBI valida a possibilidade da curatela quando ela se fizer necessária, ou seja quando a pessoa com deficiência não conseguir expressar a sua vontade e com efeitos limitados aos atos de natureza negocial ou patrimonial.
Em situações envolvendo pessoas com deficiência também se tem defendido a possibilidade de revisão das sentenças de interdição, por entender que as pessoas com deficiência têm preservado o exercício de um rol de outros direitos, mesmo estando em situação de curatela, por exemplo, o direito de se casar, de ter filhos etc. — vide art. 85, § 1º: “§ 1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.
O juiz, ao se pronunciar sobre a curatela e com base na assistência de uma equipe multiprofissional, constituída por profissionais da área da deficiência, poderá entrevistar pessoalmente a pessoa. Após, determinará, segundo as potencialidades da pessoa, os limites da curatela, os quais estão circunscritos às questões patrimoniais e negociais. Reconhecerá que a pessoa em processo de curatela é relativamente capaz para praticar atos de negócios e patrimoniais e, portanto, precisará de apoio do curador.
Uma vez nomeada a curatela do interdito, a decisão judicial é publicada no Diário Oficial e em outros periódicos de alcance público, além de realizar-se sua inscrição no Registro Civil para que conste do documento pessoal da pessoa interditada — certidão de nascimento ou de casamento, conforme o caso. Poderá haver ainda a obrigatoriedade de o curador prestar contas ao juiz periodicamente, comprovando que está administrando a vida e os bens do interditado de forma idônea. O curador poderá ser alterado quando não prestar as contas de forma regular, quando for constatada qualquer outra circunstância que não seja do interesse do interditado, quando se mostrar incapacitado de continuar desempenhando tal função ou ainda no caso de seu falecimento.
A LBI também faculta a possibilidade de um processo denominado “ tomada de decisão apoiada” com intuito de que seja respeitada a necessária proporcionalidade do apoio que cada pessoa com deficiência venha necessitar.
A tomada de decisão apoiada foi introduzida no Código Civil, artigo 1783-A, pela LBI, Lei n° 13.146/2015.
O art. 1.783-A ao Código Civil dispõe: “ A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.”
- 1º Para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar.
- 2º O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada, com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo.
- 3º Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada, o juiz, assistido por equipe multidisciplinar, após oitiva do Ministério Público, ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio.
- 4º A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado.
- 5º Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode solicitar que os apoiadores contra-assinem o contrato ou acordo, especificando, por escrito, sua função em relação ao apoiado.
]§ 6º Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante, havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir sobre a questão.
- 7º Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou não adimplir as obrigações assumidas, poderá a pessoa apoiada ou qualquer pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz.
- 8º Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e nomeará, ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse, outra pessoa para prestação de apoio. § 9º A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, solicitar o término de acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada.
- 10º O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação do processo de tomada de decisão apoiada, sendo seu desligamento condicionado à manifestação do juiz sobre a matéria.
- 11º Aplicam-se à tomada de decisão apoiada, no que couber, as disposições referentes à prestação de contas na curatela (BRASIL, 2015)
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A LBI parte do reconhecimento de que toda pessoa com deficiência deve ter assegurado o direito ao exercício de sua capacidade civil em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida (artigo 84) e cria um instrumento processual eficaz para auxiliar e apoiar a pessoa com deficiência a tomar decisões, que dele necessite, o qual conta com um rito próprio ali previsto.
A tomada de decisão apoiada é um processo judicial criado pela Lei Brasileira de Inclusão para garantir apoio à pessoa com deficiência em suas decisões sobre atos da vida civil e assim ter os dados e informações necessários para o pleno exercício de seus direitos. É um processo autônomo, com rito próprio, no qual a própria pessoa com deficiência indica os apoiadores de sua confiança a serem nomeados pelo juiz.
Do processo judicial de tomada de decisão apoiada participam, além da parte interessada e das duas pessoas apoiadoras, o juiz, que é assistido por uma equipe multidisciplinar, e o Ministério Público.
A normatização da tomada de decisão apoiada permite que a pessoa com deficiência intelectual promova o procedimento judicial que busque a nomeação de duas ou mais pessoas “prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade”. Além disso, essa nomeação envolve a fixação de limites para esse apoio, o prazo de vigência desse acordo e, sobretudo, “o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar”. A LBI prevê textualmente que o respectivo processo judicial terá a participação do membro do Ministério Público, órgão oficial responsável pelos interesses dos incapazes, além do controle jurisdicional em todas as situações que puderem causar riscos ou prejuízos à pessoa com deficiência. Além disso, e da mesma forma que na curatela, os apoiadores oportunamente nomeados devem prestar contas sempre que preciso for, e podem ser destituídos ou substituídos a qualquer momento, levando em consideração os interesses e as vontades da pessoa com deficiência intelectual.
Na tomada de decisão apoiada o beneficiário conservará a capacidade de fato. É uma figura bem mais elástica do que a curatela. Não se trata de um modelo limitador da capacidade de agir, mais de um remédio personalizado para as necessidades existenciais da pessoa, no qual as medidas de cunho patrimonial surgem em caráter acessório.
A tomada de decisão não surge como substituto da curatela, mas lateralmente a ela, em caráter concorrente, jamais cumulativo.
A própria LBI dispõe que “para formular pedido de tomada de decisão apoiada à pessoa com deficiência, os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar”.
A experiência demonstra que o curador tem unicamente o papel de administrador dos bens patrimoniais e a tomada de decisão apoiada vai além, pois, o incapacitado terá dois conselheiros e ele não sofrerá interdição total de sua capacidade atendendo ao princípio da dignidade da pessoa humana na dupla acepção: protetiva e promocional das situações existentes. O bem maior a se preservar é a pessoa do deficiente, então o espírito de amor, respeito e solidariedade devem ser o norte das decisões.
A nova lei enfatiza as vontades e os interesses da pessoa com deficiência, apesar de sua necessidade de amparo, seja das pessoas de sua própria confiança, seja do poder judiciário, que não pode permitir injustiças. A LBI faz prevalecer a individualidade de cada pessoa com deficiência, estabelecendo limites e prazos para os acordos de tomada de decisão apoiada. E essa é uma verdadeira inovação da legislação, pois o instituto da curatela, apesar da possibilidade de seu levantamento quando cessada a causa que o motivou, jamais foi permitido apenas para situações pontuais e com prazos predeterminados, como durante o período em que uma pessoa com deficiência intelectual é parte em um processo de inventário ou para a escolha do regime de bens sob o qual vai se casar. Em outras palavras, é preciso entender que uma pessoa com deficiência pode muitas vezes passar toda a sua existência sem a curatela, pois na vida adulta trabalha, se casa e vive normalmente sem maiores percalços. Ainda assim, é possível que se veja diante de situações em que precise do apoio de pessoas da sua confiança, o que hoje é permitido pontualmente pelo processo de tomada de decisão apoiada, normatizada pela LBI.
Referências
Código Civil – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília: Congresso Nacional, 2002.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.
Lei Brasileira de Inclusão – Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Brasília: Presidência da República, 2015.